Fernando Faria
A Casa
Em qualquer Casa o fascínio pelas casas dos botões é
irresistível, onde anões, grandes e pequenos, esguios
como esguichos ou largos e arejados, põem tudo em
ordem, num passeio de vai e vem que continuamente
acontece.
Nas casas joga-se ao passa-botões. É encontrá-los e fazê-
los desaparecer em seguida, dando à casa a nudez da luz,
contrariando assim o re-gatos, o re-cactos de todas as
casas, onde estão as histórias censuradas, onde moram
as fotografias enegrecidas de proibições, a par das dos
caracóis louros, como se de oiro fossem e, outras, com
figuras a des-cobrir nos álbuns de família: a corda d’A
Casa.
Em todas casas há, inevitavelmente, uma corda que a
anima. É por esses tecidos es-garça- dos que a genealogia
espreita: das memórias coladas às caixas de costura, às
várias andanças revelados pelos galões deformados, mas
ainda altivos. Mais as rendas, feitas de teias dos amores,
oferecidos e recusados, que ao som do avanço e recuo
das marés, se mostram e escondem, no baloiço das
lembranças.
Pela casa fora, dentro de molduras, umas de cores vivas,
outras esbatidas pelo tempo passado, as caras da casa.
Cada uma no seu canto, de acordo com o peso das pedras
da casa. Ao centro, o primeiro da linhagem, sempre
re-criado pelas histórias e comentários, sem fim, acerca
da loucura do empreendimento, feito pelas gerações a
que deu lugar. Ele O verdadeiro e-responsável. Entre o
sóbrio e o desvairado, porque foi aquele que andou com
as pedras num reboliço. Agora, perante a partilha dos in-
teresses, busca de identidades, a que se juntam as necessi-
dades do corpo, cada novo habitante traça-lhe o retrato.
As casas também caminham: vão para outras casas,
umas mães, outras madrastas. Como nas histórias. Para
as caves frescas, bem seguras por exércitos de aranhas,
vai o pólen divino, engalanado, em vidro cristalino, a
que se juntam os restos das caco-fonias, fruto do pulsar
destemperado do coração e dos músculos da casa,
escuras como breu. Para os sótãos, arrepiantes de tão
quentes e tão frios, moldados pelas estações do ano,
também.
Aí, as re-cor- dações e as re-corda-ções, têm vida
própria: as cartas e os postais e as viagens; a coquetterie
e os sussurros, sobras dos bailes e festins; as pequenas
vergonhas, os desejos cumpridos e os que estão ainda por
adivinhar.
Entre o chapéu alto e o espartilho, o devaneio e a
loucura, a cima e a baixo. O “estar na casa”: o abrir e
fechar portas, o rodar maçanetas. Entre o levantar-me e
o deitar-te: esperar que o coração me deixe lá entrar. Ou
simplesmente esquecer.
As verdadeiras casas. As abertas como os prados dos
campos, a perder de vista. As cerradas, com dentes-de-
-leão, cosidas com amores-perfeitos perdidos.
De par em par, as casas abertas às setas de luz que
encandeiam e cegam, vão fazendo chegar as histórias
de… A Casa.
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